Familiares
contagiados pela doença atrelam-se patologicamente ao
dependente químico, muitas vezes até mesmo estimulando o comportamento
da pessoa adicta.
Antonio, 45 anos casado há 10 anos com uma mulher usuária de
drogas. Há 2 anos, em função de uma depressão grave, iniciou tratamento
psicológico e medicamentoso. Recentemente sua esposa vendeu vários objetos de
valor da casa. Foi então que o marido conseguiu colocar como limite a
internação da esposa e seu retorno à casa de seus familiares, finalizando o
relacionamento.
Esta é mais uma das inúmeras histórias sórdidas de
personagens envolvidos com usuários de drogas e álcool. A situação descrita é
apenas um recorte do cotidiano daqueles que se tornam escravos da doença do
dependente químico e da própria doença. É desta última que vamos tratar aqui.
A codependência é a dificuldade de estabelecer
relacionamentos saudáveis com os outros e consigo mesmo. O codependente sente
ansiedade, pena e culpa quando outras pessoas têm problemas; se flagra
constantemente dizendo “sim” quando quer dizer “não”; tenta agradar aos outros
ao invés de agradar a si mesmo e tolera abusos para manter relacionamentos que
muitas vezes são destrutivos.
ETIMOLOGIA
O termo surgiu na década de 1970, depois da criação dos
alcoólicos anônimos (AA) em função da necessidade dos familiares dos
dependentes de álcool, especialmente suas esposas, que formaram grupos de ajuda
mútua para lidar com os problemas advindos da adicção de seus maridos. Formaram
então o Alanom, com um programa voltado para as pessoas que convivem com
dependentes embasados nos doze passos do programa do AA.
Nem todos os especialistas concordam que codependência é uma
doença. Porém, alguns fatores justificam esta nomenclatura. Os codependentes
são reativos a uma doença, de forma progressiva. Seus comportamentos, como o
dos dependentes químicos são autodestrutivos e compulsivos. A codependência
envolve um sistema vicioso de pensar, sentir e comportar-se em relação a si
mesmo e aos outros que acaba por causar dor ao codependente. Nos
relacionamentos codependentes não existe o enfrentamento direto dos problemas, expressão
aberta dos sentimentos e pensamentos, expectativas realistas, individualidade,
confiança nos outros e em si mesmo. O codependente tem medo de desagradar e
perder o afeto das outras pessoas, principalmente daqueles com quem convive
estreitamente, sejam eles cônjuge, filhos, irmãos, pais, etc... Tentam
controlar a vida do outro; preocupam-se demasiadamente com as outras pessoas;
tentam ajudar de forma errada; dizem sim quando querem dizer não; evitam ferir
os sentimentos das pessoas, mesmo que para isso estejam ferindo a si próprios;
não confiam em seus sentimentos; acreditam em mentiras e depois se sentem
traídas. Aparentemente mostram-se pessoas dedicadas, preocupadas e
benevolentes. Na verdade, são permissivos, queixosos, criam desculpas para o
comportamento do dependente, tendo dificuldade de entendê-lo como doença.
Salvam-no de situações desagradáveis, tornando-se herói da situação. Assumem
também o papel de vítimas perante a dor que a situação gera.
RECORRÊNCIA
Torna-se claro na prática clínica que a doença do outro
exerce função compensatória na vida e no psiquismo de todo codependente. Ao
verificarmos a história pessoal de cada um deles, na grande maioria dos casos, encontramos
relacionamentos familiares em que a existência de algum membro com histórico de
dependência química se faz presente, ou de algum outro quadro de compulsão como
a compulsão pelo jogo, por compras ou até de doença grave. A existência de problemas familiares graves
em que a autoestima seja afetada principalmente pela negligência afetiva, pode
gerar o comportamento codependente. No caso de Antonio, o paciente referido
inicialmente, a convivência com pai e irmãos alcoólatras o tornou benevolente
ao uso de drogas de sua esposa. A normalidade da situação, que também foi
vivida em família, o tornou conivente com a dependência de sua companheira. A
falta de afeto experimentada na relação com o pai, e a necessidade de salvá-lo
da bebida era experimentada intensamente em sua infância. Salvar o pai seria
salvá-lo da própria dor de sentir-se rejeitado pelo pai, que não dava conta de
si mesmo. Antonio então projetou todas as suas necessidades afetivas no fato de
ser o salvador na relação com sua esposa. O que antes projetava no pai passou a
canalizar para a companheira. As desculpas para a doença da mulher eram
frequentes e os créditos nas promessas que nunca eram cumpridas geravam muita
frustração. Antonio abriu mão de sua vida pessoal para vigiar e “salvar” sua
esposa. Em vão!
Noites em claro, prejuízos emocionais e financeiros. Tudo em
vão, se o próprio dependente químico não tomar em suas mãos as rédeas de sua
vida e confrontar o próprio vício. Demorou muito para Antonio salvar-se de si
mesmo.
Esta é a melhor atitude que o codependente deve tomar: ter
em suas mãos sua própria vida. Ter controle sobre seus medos, seus sentimentos
e suas próprias atitudes. Esta é a melhor ajuda que pode ser dada a um
dependente químico. O codependente não causou o problema da outra pessoa. Não
pode controlar o outro. Não pode curar o problema. Se conscientizar é o
primeiro passo para se libertar de relacionamentos destrutivos e deixar que seu
parente dependente busque seu próprio caminho. A tentativa de encobrir o
dependente ou resolver o problema por ele quase nunca é eficaz. Uma boa estratégia
é participar de grupos de apoio para a codependência e concentrar-se em seu
bem-estar, no desenvolvimento de sua vida. Estabelecer seus limites e tomar
atitudes é o melhor caminho para a liberdade dentro das relações e para o
crescimento pessoal do dependente químico, se ele assim o desejar.
A DEPENDÊNCIA AMOROSA
A cada vez que conhecemos a história de um dependente
químico quase que invariavelmente nos depararemos com a história em sua maioria
de mulheres que amam demais. Fazem tudo por amor. Desenvolvem proteção abrindo
mão de suas próprias vidas. Ingenuamente, seria bonito pensar no amor sem
limites na busca pela ajuda à pessoa amada. Será que isto é amor? A pessoa que
se envolve amorosamente com dependentes químicos termina por desenvolver também
comportamentos compulsivos sejam eles sexuais, em busca de amor, ciúmes
compulsivos e manipulações doentias. Ao analisarmos estas pessoas
individualmente percebemos que existem motivações internas para que se envolvam
intensamente nestas relações doentes. Em sua maioria possuem histórico de
famílias disfuncionais e de sentimentos de desamparo e desafeto, sendo essa a
sua origem. Busca-se inconsciente e compulsivamente solucioná-los em relações
atuais, sem sucesso e com muitas frustrações.
Amar demais significa amar o outro em detrimento de si
mesmo. Significa falta de amor próprio e submissão ao outro e a seus valores.
Significa se anular e viver pelo outro e não com o outro. A vida pessoal se
perde nesta jornada, pois dão e não recebem em troca. Se sentem injustiçadas,
alimentam amor e ódio e desenvolvem ciúmes compulsivos, buscam se fazer
importantes pela proteção e cuidados excessivos, sem limites, alimentando a
doença do dependente químico e a sua própria. O caminho da insegurança, da
depressão e da doença é inevitável.
Prevenir esta doença seria o ideal. Uma vez dentro dela é
importante a conscientização de que se está doente e de que se precisa de
ajuda.
A percepção da incapacidade de deixar de ver uma pessoa
específica, mesmo sabendo que encontrá-la é destrutivo. Ameaçar a estabilidade financeira ou posição
na sociedade ao manter um parceiro sexual. Perceber que a vida está
ingovernável por causa do comportamento amoroso é um critério importante para o
diagnóstico da dependência amorosa.
Portanto, olhar para si mesmo, buscar o autoconhecimento,
melhorar a autoestima e buscar o crescimento pessoal e profissional além da
ampliação de relacionamentos sociais são o melhor caminho para a cura. Cura não
só do dependente emocional, mas é a postura adequada frente ao dependente
químico. Apenas assim, pode-se vislumbrar a possibilidade de que ele se cuide.
A frequência a grupos de ajuda como o Mulheres que amam
demais (MADA), o Codependentes anônimos (CODA), entre outros, o tratamento
psicológicos e muitas vezes o medicamentoso, além da leitura de bibliografia
especializada são suportes indispensáveis na busca da independência emocional e
do amor genuíno por si mesmo e pelo outro.
AÇÃO BENEVOLENTE
Comportamentos e atitudes mais comuns para identificar um
relacionamento codependente:
-O codependente é guiado também por comportamentos
compulsivos como ciúmes, superproteção dos quais não tem controle;
-O codependente acha que sua felicidade depende do outro.
Muitas vezes tem a sensação de que sua vida não tem sentido sem aquele
relacionamento. Em função disso, encobre-o e assume responsabilidades por ele.
Há a tolerância a abusos físicos e emocionais;
-No relacionamento o codependente se sente responsável pelo
outro, como uma relação infantil, não de adultos;
-Na codependência busca-se a resolução de problemas que não
se pode mudar. Sua energia é gasta em situações sem solução ao invés de ser
usada no crescimento pessoal e na busca de relações saudáveis;
-A criação de expectativas fantasiosas sobre o outro, a
negação acerca da doença do dependente, a dificuldade e dar limites em
relacionamentos, em dizer não quando precisa se proteger são características do
codependente;
-Busca de controle sobre o dependente envolvendo-se em
situações aberrantes;
-Solicitações de mudança de comportamento ao dependente são
frequentes, mesmo com a clara evidência de que ele não vá mudar;
-Em função disto passam a apresentar frustração, mágoa,
depressão. Vivem em extremos de ânimos e sentimentos.
Fonte: Psique Ciência & Vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário