quinta-feira, 11 de julho de 2013

A escravidão da CODEPENDÊNCIA

Familiares contagiados pela doença atrelam-se patologicamente ao dependente químico, muitas vezes até mesmo estimulando o comportamento da pessoa adicta.

Antonio, 45 anos casado há 10 anos com uma mulher usuária de drogas. Há 2 anos, em função de uma depressão grave, iniciou tratamento psicológico e medicamentoso. Recentemente sua esposa vendeu vários objetos de valor da casa. Foi então que o marido conseguiu colocar como limite a internação da esposa e seu retorno à casa de seus familiares, finalizando o relacionamento.
Esta é mais uma das inúmeras histórias sórdidas de personagens envolvidos com usuários de drogas e álcool. A situação descrita é apenas um recorte do cotidiano daqueles que se tornam escravos da doença do dependente químico e da própria doença. É desta última que vamos tratar aqui.
A codependência é a dificuldade de estabelecer relacionamentos saudáveis com os outros e consigo mesmo. O codependente sente ansiedade, pena e culpa quando outras pessoas têm problemas; se flagra constantemente dizendo “sim” quando quer dizer “não”; tenta agradar aos outros ao invés de agradar a si mesmo e tolera abusos para manter relacionamentos que muitas vezes são destrutivos.

ETIMOLOGIA
O termo surgiu na década de 1970, depois da criação dos alcoólicos anônimos (AA) em função da necessidade dos familiares dos dependentes de álcool, especialmente suas esposas, que formaram grupos de ajuda mútua para lidar com os problemas advindos da adicção de seus maridos. Formaram então o Alanom, com um programa voltado para as pessoas que convivem com dependentes embasados nos doze passos do programa do AA.
Nem todos os especialistas concordam que codependência é uma doença. Porém, alguns fatores justificam esta nomenclatura. Os codependentes são reativos a uma doença, de forma progressiva. Seus comportamentos, como o dos dependentes químicos são autodestrutivos e compulsivos. A codependência envolve um sistema vicioso de pensar, sentir e comportar-se em relação a si mesmo e aos outros que acaba por causar dor ao codependente. Nos relacionamentos codependentes não existe o enfrentamento direto dos problemas, expressão aberta dos sentimentos e pensamentos, expectativas realistas, individualidade, confiança nos outros e em si mesmo. O codependente tem medo de desagradar e perder o afeto das outras pessoas, principalmente daqueles com quem convive estreitamente, sejam eles cônjuge, filhos, irmãos, pais, etc... Tentam controlar a vida do outro; preocupam-se demasiadamente com as outras pessoas; tentam ajudar de forma errada; dizem sim quando querem dizer não; evitam ferir os sentimentos das pessoas, mesmo que para isso estejam ferindo a si próprios; não confiam em seus sentimentos; acreditam em mentiras e depois se sentem traídas. Aparentemente mostram-se pessoas dedicadas, preocupadas e benevolentes. Na verdade, são permissivos, queixosos, criam desculpas para o comportamento do dependente, tendo dificuldade de entendê-lo como doença. Salvam-no de situações desagradáveis, tornando-se herói da situação. Assumem também o papel de vítimas perante a dor que a situação gera.
RECORRÊNCIA
Torna-se claro na prática clínica que a doença do outro exerce função compensatória na vida e no psiquismo de todo codependente. Ao verificarmos a história pessoal de cada um deles, na grande maioria dos casos, encontramos relacionamentos familiares em que a existência de algum membro com histórico de dependência química se faz presente, ou de algum outro quadro de compulsão como a compulsão pelo jogo, por compras ou até de doença grave.  A existência de problemas familiares graves em que a autoestima seja afetada principalmente pela negligência afetiva, pode gerar o comportamento codependente. No caso de Antonio, o paciente referido inicialmente, a convivência com pai e irmãos alcoólatras o tornou benevolente ao uso de drogas de sua esposa. A normalidade da situação, que também foi vivida em família, o tornou conivente com a dependência de sua companheira. A falta de afeto experimentada na relação com o pai, e a necessidade de salvá-lo da bebida era experimentada intensamente em sua infância. Salvar o pai seria salvá-lo da própria dor de sentir-se rejeitado pelo pai, que não dava conta de si mesmo. Antonio então projetou todas as suas necessidades afetivas no fato de ser o salvador na relação com sua esposa. O que antes projetava no pai passou a canalizar para a companheira. As desculpas para a doença da mulher eram frequentes e os créditos nas promessas que nunca eram cumpridas geravam muita frustração. Antonio abriu mão de sua vida pessoal para vigiar e “salvar” sua esposa. Em vão!
Noites em claro, prejuízos emocionais e financeiros. Tudo em vão, se o próprio dependente químico não tomar em suas mãos as rédeas de sua vida e confrontar o próprio vício. Demorou muito para Antonio salvar-se de si mesmo.
Esta é a melhor atitude que o codependente deve tomar: ter em suas mãos sua própria vida. Ter controle sobre seus medos, seus sentimentos e suas próprias atitudes. Esta é a melhor ajuda que pode ser dada a um dependente químico. O codependente não causou o problema da outra pessoa. Não pode controlar o outro. Não pode curar o problema. Se conscientizar é o primeiro passo para se libertar de relacionamentos destrutivos e deixar que seu parente dependente busque seu próprio caminho. A tentativa de encobrir o dependente ou resolver o problema por ele quase nunca é eficaz. Uma boa estratégia é participar de grupos de apoio para a codependência e concentrar-se em seu bem-estar, no desenvolvimento de sua vida. Estabelecer seus limites e tomar atitudes é o melhor caminho para a liberdade dentro das relações e para o crescimento pessoal do dependente químico, se ele assim o desejar.
A DEPENDÊNCIA AMOROSA
A cada vez que conhecemos a história de um dependente químico quase que invariavelmente nos depararemos com a história em sua maioria de mulheres que amam demais. Fazem tudo por amor. Desenvolvem proteção abrindo mão de suas próprias vidas. Ingenuamente, seria bonito pensar no amor sem limites na busca pela ajuda à pessoa amada. Será que isto é amor? A pessoa que se envolve amorosamente com dependentes químicos termina por desenvolver também comportamentos compulsivos sejam eles sexuais, em busca de amor, ciúmes compulsivos e manipulações doentias. Ao analisarmos estas pessoas individualmente percebemos que existem motivações internas para que se envolvam intensamente nestas relações doentes. Em sua maioria possuem histórico de famílias disfuncionais e de sentimentos de desamparo e desafeto, sendo essa a sua origem. Busca-se inconsciente e compulsivamente solucioná-los em relações atuais, sem sucesso e com muitas frustrações.
Amar demais significa amar o outro em detrimento de si mesmo. Significa falta de amor próprio e submissão ao outro e a seus valores. Significa se anular e viver pelo outro e não com o outro. A vida pessoal se perde nesta jornada, pois dão e não recebem em troca. Se sentem injustiçadas, alimentam amor e ódio e desenvolvem ciúmes compulsivos, buscam se fazer importantes pela proteção e cuidados excessivos, sem limites, alimentando a doença do dependente químico e a sua própria. O caminho da insegurança, da depressão e da doença é inevitável.
Prevenir esta doença seria o ideal. Uma vez dentro dela é importante a conscientização de que se está doente e de que se precisa de ajuda.
A percepção da incapacidade de deixar de ver uma pessoa específica, mesmo sabendo que encontrá-la é destrutivo.  Ameaçar a estabilidade financeira ou posição na sociedade ao manter um parceiro sexual. Perceber que a vida está ingovernável por causa do comportamento amoroso é um critério importante para o diagnóstico da dependência amorosa.
Portanto, olhar para si mesmo, buscar o autoconhecimento, melhorar a autoestima e buscar o crescimento pessoal e profissional além da ampliação de relacionamentos sociais são o melhor caminho para a cura. Cura não só do dependente emocional, mas é a postura adequada frente ao dependente químico. Apenas assim, pode-se vislumbrar a possibilidade de que ele se cuide.
A frequência a grupos de ajuda como o Mulheres que amam demais (MADA), o Codependentes anônimos (CODA), entre outros, o tratamento psicológicos e muitas vezes o medicamentoso, além da leitura de bibliografia especializada são suportes indispensáveis na busca da independência emocional e do amor genuíno por si mesmo e pelo outro.

AÇÃO BENEVOLENTE
Comportamentos e atitudes mais comuns para identificar um relacionamento codependente:
-O codependente é guiado também por comportamentos compulsivos como ciúmes, superproteção dos quais não tem controle;
-O codependente acha que sua felicidade depende do outro. Muitas vezes tem a sensação de que sua vida não tem sentido sem aquele relacionamento. Em função disso, encobre-o e assume responsabilidades por ele. Há a tolerância a abusos físicos e emocionais;
-No relacionamento o codependente se sente responsável pelo outro, como uma relação infantil, não de adultos;
-Na codependência busca-se a resolução de problemas que não se pode mudar. Sua energia é gasta em situações sem solução ao invés de ser usada no crescimento pessoal e na busca de relações saudáveis;
-A criação de expectativas fantasiosas sobre o outro, a negação acerca da doença do dependente, a dificuldade e dar limites em relacionamentos, em dizer não quando precisa se proteger são características do codependente;
-Busca de controle sobre o dependente envolvendo-se em situações aberrantes;
-Solicitações de mudança de comportamento ao dependente são frequentes, mesmo com a clara evidência de que ele não vá mudar;
-Em função disto passam a apresentar frustração, mágoa, depressão. Vivem em extremos de ânimos e sentimentos.

Fonte: Psique Ciência & Vida.

Postado por: Ana Cláudia Foelkel Simões 

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