A criança que não fala com os outros, só em casa.
Crianças muito quietas, que na escola falam pouco
com os colegas e têm dificuldade para responder às perguntas do professor,
costumam ser classificadas de tímidas. As crianças com esse perfil podem, na
verdade, sofrer de um distúrbio de fundo emocional: o mutismo
seletivo. Em casa essas crianças conversam
normalmente com os pais e brincam com os irmãos, entretanto, quando um adulto
de fora do círculo familiar ou outra criança estranha lhes dirige a palavra,
elas permanecem mudas.
As complicações e dificuldades geradas pelo mutismo
seletivo são muitas. Às vezes essas
crianças não conseguem nem pedir para ir ao banheiro na escola. Segundo
divulgado pela revista Veja (edição de 10 de maio
de 2006), até há pouco tempo pensava-se que esse distúrbio
atingia uma em cada 1 000 crianças, mas recentemente, um estudo desenvolvido
pela American Academy of Child and Adolescent Psychiatry mostrou que essa proporção é de sete para 1 000, o que
torna o mutismo seletivo duas
vezes mais frequente do que o autismo.
No Brasil são raros estudos sobre mutismo
seletivo, assim como profissionais
especializados para o diagnostico precoce e tratamento deste transtorno.
Trata-se de uma situação caracterizada pela recusa da criança em falar em
determinados locais, principalmente locais públicos ou diante de pessoas que
não seja de sua intimidade, como por exemplo, na escola, na presença de pessoas
estranhas, no ambiente social.
Por definição, o mutismo seletivo é um transtorno, encontrado em crianças e
caracterizado por uma contínua recusa em falar em algumas situações sociais
maiores. Os primeiros relatos datam do século IX, porém existem poucas
pesquisas sobre seu tratamento e etiologia. O quadro foi descrito em 1877 por Kussmaul como uma afasia voluntária em pessoas que não falavam
em algumas situações, mesmo não tendo nenhum problema na comunicação oral.
Em 1934, Tramer usou o termo mutismo eletivo para crianças que somente
se comunicavam em determinadas situações e com pessoas específicas, mas não
falavam na maior parte das situações sociais. Com o passar do tempo, e com uma
maior compreensão do quadro, o mutismo seletivo foi reconhecido como uma
desordem da infância.
Os primeiros sintomas de mutismo seletivo são
geralmente percebidos entre um a três anos de idade e incluem timidez,
relutância para falar em algumas situações e um das pessoas estranhas. Esses
sintomas ficam óbvios quando a criança é convocada a responder e/ou interagir
em situações sociais, inclusive o pré-escolar, na escola elementar e nos
ambientes sociais.
Epidemiologia
A prevalência encontrada é de 0,3 a 0,8 em 1.000
crianças. É mais prevalente em meninas. Pela baixa prevalência pode ser
encontrado em menos de 1% da população psiquiátrica. Já o mutismo transitório,
que acontece quando a criança entra na escola atinge 7 em cada mil crianças.
Etiologia
Atualmente existem muitas críticas quanto ao uso do
termo “mutismo seletivo”, pois passa a falsa ideia que a
criança escolhe propositalmente não falar, enquanto, na verdade, não se sente
segura para se comunicar em determinados espaços e situações.
O mutismo seletivo tem causa obscura e, até o momento, parece ter origem
multifatorial. Acredita-se que a influência dos fatores ambientais e situações
interpessoais sejam de grande peso para o desenvolvimento do mutismo seletivo.
Ele pode ser deflagrado por uma experiência negativa pela qual a criança passou
- uma violência física ou verbal, ou uma grande decepção.
A genética também tem um peso importante:
estatísticas mostram que muitas crianças afetadas pelo transtorno têm um
parente próximo com histórico de transtornos emocionais e a patologia é mais
encontrada nos filhos de pais tímidos ou distantes.
A influência do comportamento dos pais nos
relacionamentos com outras pessoas, bem como suas alterações de humor podem dar
à criança impressões problemáticas sobre o relacionamento humano, gerando certa
ansiedade fóbica social. A própria personalidade da criança pode favorecer
aparecimento do transtorno.
Em alguns casos o mutismo seletivo ocorre após algum trauma, como morte, início escolar, sequestro,
violência. Todos de alguma maneira relacionados à separação do cuidador da
criança, sendo considerado um tipo de transtorno fóbico.
É importante lembrar que as crianças com mutismo
seletivo após imigração para país com outra língua não pode recebe esse
diagnóstico, já que o fato pode ocorrer em resposta ao isolamento social que a
língua estrangeira proporciona e mesmo, principalmente, pelo choque cultural.
O DSM-IV
define o mutismo seletivo levando em consideração os
seguintes itens
|
A. Não
falar em situações sociais específicas (onde há expectativa para que fale,
ex. escola), apesar de falar em outras situações
B. Interfere no desempenho escolar ou ocupacional ou na comunicação social
C. Duração mínima de 1 mês (não limitado ao 1º mês de escola)
D. O fato de não falar não é devido à falta de conhecimento ou o se sentir à
vontade com a língua falada na situação social (ex. criança que mora em um
país e se muda para outro com cultura totalmente diferente)
E. Não é devido a um Transtorno de comunicação (ex. gagueira) e não ocorre
durante uma psicose
|
Aspectos clínicos e diagnósticos
As crianças com mutismo seletivo são capazes de compreender, falar e produzir
linguagem em ambientes limitados, ou seja, em casa pode se comunicar
normalmente como também falar ao telefone com colegas. Esses fatores fazem
parte da manifestação mais comum do quadro: não falar na escola e com adultos
fora de casa. De qualquer maneira essas crianças estão interessadas em se
comunicar, seja com gestos, olhares ou sinais, ao contrário de boa parte das
crianças com diagnóstico de autismo.
Alguns comportamentos podem estar associados ao mutismo
seletivo, como por exemplo, dificuldade de
olhar olho no olho, expressão facial pouco expressiva, certa imobilidade
psicomotora fora do ambiente familiar. Entretanto, o paciente mutista seletivo
pode remexer-se nervoso quando em situações sociais mais ansiosas. Alguns
pacientes podem retrair-se quando algum adulto tenta se aproximar, ou quando
fisicamente tocados podem exibir formas diferentes de linguagem corporal.
Outras características comportamentais podem estar
associadas ao mutismo seletivo: timidez
excessiva, dependência dos pais, acessos de birra, agressividade, isolamento
social, tristeza, excessiva rigidez e perfeccionismo, além da evitação do
contato olho no olho já comentado.
As características comportamentais do núcleo familiar
mais observadas em casos de mutismo seletivo seriam comportamento de superproteção
familiar, conflitos psicológicos não resolvidos, traumas anteriores envolvendo
perda por mortes, separação, etc, pouco envolvimento paterno, excessiva
dependência dos pais pelo fato de não falar. Entretanto, tais características
resultam de poucas pesquisas realizadas e não devem ainda serem tidas como
condições absolutas.
Alguns pontos que devem ser entendidos em relação ao mutismo seletivo:
• Estas crianças entendem o idioma falado e têm a habilidade para
falar normalmente,
• Em casos típicos, eles falam com os pais e selecionam outras pessoas
com as quais irão manter contato verbal,
• Às vezes, eles não falam com certos indivíduos do circulo
familiar,
• A maioria não pode falar na escola, e em outras situações longe do
convívio familiar,
• A maioria aprende, sem maiores problemas, aquilo que é adequado para
sua idade escolar,
• Muitos participam de atividades não verbais, especialmente em locais
onde tem dificuldade em verbalizar,
• O comportamento retraído não é geralmente óbvio até que a criança
comece frequentar a escola,
• Estas crianças podem responder, ou fazer suas necessidades conhecidas,
acenando com a cabeça, apontando, ou permanecendo imóveis até que alguém
"adivinhe" o que eles querem,
• A maioria destas crianças expressa um grande desejo para falar em
todas as situações, mas é incapaz devido à ansiedade, medo, timidez e
embaraço,
• Às vezes, a criança é vista como tímida e é suposto que a timidez é
temporária e será superada.
Diagnóstico diferencial
Nenhuma dessas condições apresenta o padrão
característico do mutismo seletivo :
-Retardo Mental
-Transtornos invasivos do desenvolvimento (ex.
Autismo, Síndrome de Asperger)
-Transtornos de expressão da linguagem
-Fobia social
-Depressão
-Transtorno de ajustamento
-Condições orgânicas (drogas, transtornos
neurológicos)
Curso e prognóstico
O início ocorre entre 3 e 8 anos e pode ser
insidioso ou abrupto após um trauma. A duração é variável podendo se arrastar
por meses ou anos. O pior prognóstico é visto em pacientes com início tardio.
Em geral o mutismo seletivo não está associado com a dificuldade de aprendizagem, consequentemente,
programas da instrução especial devem ser considerados cautelosamente. Por
outro lado, no país não há nenhum programa de instrução especial nas escolas
públicas disponíveis para estas crianças. Quando indicados, programas
individuais precisariam ser projetados individualmente.
A maioria dos programas pode ser implementada
dentro dos ambientes de educação regular. Outros podem requerer a coordenação
entre a instrução regular e especial, ou a equipe de funcionários da escola,
dependendo do nível de habilidade e dos recursos disponíveis dentro do distrito
da escola.
Os profissionais pedagógicos e professores
necessitam modificar suas estratégias típicas da avaliação ao trabalhar com
estas crianças. Pelo fato delas não podem verbalizar, as avaliações não
refletirão os verdadeiros níveis do QI, ou do potencial intelectual. Para que
essas crianças não sejam colocadas em níveis educacionais impróprios, os
avaliadores necessitam ser cautelosos.
Tratamento
Não existem muitas referências e orientações para o
tratamento do mutismo seletivo. Talvez pelo fato da criança com mutismo
seletivo não perturbar ninguém e passar por quietinha, ao contrário da criança
hiperativa, cujo comportamento agitado chama a atenção de todo mundo, seu
tratamento tem sido protelado e sua importância tem sido minimizada.
As modificações comportamentais são as medidas mais
promissoras. A psicoterapia e terapia da fala também são importantes, já a
psicofarmacologia é bastante restrita nesses casos, muitas vezes atuando
somente em outros estados emocionais associados, sejam como comorbidade, sejam consequências
da discriminação, da autoestima, etc.
Fonte:
www.psiqweb.med.br
Postado por: Ana Cláudia Foelkel Simões