Lugar de criança dormir é no quarto e na cama
(dela!)
Algo muito comum nas famílias com filhos é o fato de estes dormirem junto aos pais. Geralmente esse hábito se inicia após o nascimento, quando o bebê precisa de monitoramento mais próximo, sobretudo no período noturno. No entanto, não é incomum esse hábito se estender a outras fases do desenvolvimento, como a adolescência. Independente do lugar em que os filhos dormem – se na mesma cama ou no mesmo quarto dos pais – há um consenso a respeito da dificuldade em que os adultos enfrentam em fazê-los dormirem sozinhos, que muitas vezes é proporcional ao tempo em que dormem sob a companhia dos pais.
De
fato, é extremamente prazeroso ter um filho por perto, sobretudo se este for um
bebê. Dormir junto com uma criança é tido como um dos grandes prazeres dos
pais: é algo pequenino, inocente, cheiroso e macio, algo por quem se nutre um
grande afeto, um ser que traz consigo não só os genes, mas a história do casal.
Fazê-lo permanecer por perto é desfrutar de tal prazer continuamente, ali,
diante dos olhos e ao alcance das mãos.
Analisando
melhor a situação, pode-se perceber que pernoitar com filhos tem outras
funções. Agindo assim, é possível reduzir o tempo do choro noturno – ávido pela
amamentação ou por colo materno diante de um pesadelo – diminuir o esforço
físico de se levantar e de se dirigir até o filho (enfrentando calor ou frio),
além de se evitar o desgaste em lidar com a (suposta) resistência da criança em
ficar longe dos pais e vice-versa.
Ao
passo disso, é possível afirmar que a criança também sente prazer ao lado dos
pais: há o conforto da companhia, a segurança que lhe é sentida (que muitas
vezes afasta medos infantis), o próprio contato – que muitas vezes lhe falta
durante o dia – também são fatores extremamente satisfatórios para ela.
Embora
tal contexto traga várias consequências “positivas” para todos os envolvidos,
podem ocorrer diversas complicações no desenvolvimento e à adequação infantis.
Muitas vezes, quando a criança cresce, os pais tentam colocá-la de volta ao seu
quarto e, diante de sua resistência, permitem que ela durma em suas companhias
mais uma vez. Esta inconsistência dos limites, que não ocorre de forma
contínua, faz a criança entender que sempre há uma possibilidade de permanecer
junto a eles. Não é incomum, também, encontrar crianças que tem seu sono
perturbado por pesadelos ou por imagens de terror no próprio quarto, situações
que favorecem a busca infantil pelo colo paterno na madrugada.
Verificar
apenas o comportamento de dormir junto aos pais, na verdade, é algo muito
limitado. É possível constatar que este comportamento é apenas um que se
manifesta no padrão de dependência. Pais que não se sentem confiantes em deixar
suas crianças por um momento longe de seus olhos muitas vezes são aqueles que
podem proteger em demasia a ponto de provocar um atrofiamento do repertório de
habilidades sociais e das atividades diárias. À medida que a criança cresce,
ela desenvolve autonomia em suas ações rotineiras (comer, vestir-se e se limpar,
por exemplo); então, nada mais natural que também gerar maturidade ao pernoitar
sem a presença dos pais ou cuidadores.
Além
disso, também existem implicações para a intimidade do casal. Caso os cônjuges
estejam privados de afeto e de sexo ao longo do dia, muito provavelmente o
momento de dormir seja aquele em que se dará a intimidade sexual. Assim, como
os cônjuges farão para preservar este momento, sem que ele possa ser
presenciado por outra pessoa? Na cama, é importante que o casal seja visto como
tal, não essencialmente enquanto pais. A intimidade do casal precisa ser
reservada e, de certa forma, a presença de crianças pode colocar isso a perder.
É de se supor, também, que a manutenção do filho junto aos pais durante o
pernoite possa ser visto como uma justificativa e uma barreira para a
intimidade em casais que não estão bem.
Cabe
destacar que também se observa que a ausência do cônjuge torna mais propícia a
companhia do filho na cama. Em casos de viuvez ou de separação, ter a prole por
perto pode trazer conforto e ameniza a solidão. No entanto, simbolicamente faz
a criança ocupar um espaço que não lhe pertence exatamente, fato que ficará
mais claro quando o cônjuge solitário for se unir a outra pessoa. Este pode
resistir em constituir outra família em virtude da criança que dorme consigo,
com receio de magoá-la ou para evitar resistências quanto a dormir em outro
local.
Existem
algumas orientações que são válidas neste momento. A primeira delas diz
respeito ao período em que crianças podem dormir sozinhas. Acredita-se que aos
6 (seis) meses ela pode dormir sozinha, sob monitoramento noturno dos pais
quanto à amamentação e bem-estar geral (temperatura, conforto e segurança).
Recomenda-se que os pais se revezem nesta tarefa, para minimizar o efeito
aversivo do deslocamento até o quarto do filho e dos cuidados noturnos.
Cabe
destacar que o momento de dormir deve ser prazeroso para pais e filhos. Pode-se
contar histórias, cantar, ouvir juntos cantigas de ninar, conversar sobre o dia
ou sobre um assunto específico. O ideal é que isso seja circunscrito no
ambiente natural da criança, ou seja, no seu próprio quarto, ao invés de se
iniciar no quarto do casal e terminar com os pais conduzindo a criança, já
adormecida, ao seu aposento.
Também
é válido organizar a rotina e o ambiente para criar contextos favoráveis ao
sono solitário. Assim, estipular um horário para a criança dormir e fazer o
restante da casa adormecer (por exemplo, desligar aparelhos eletrônicos e luzes
dos aposentos, diminuir o movimento na casa, entre outros), assim como eliminar
estímulos de distrações dentro do quarto infantil (como desligar as luzes,
deixar a porta entreaberta ou proporcionar uma penumbra através do abajur) são
dicas salutares que tendem a um bom resultado.
Outra
dica se refere ao afastamento gradual [1] dos pais enquanto se ensina a criança a dormir sozinha. Por exemplo,
no início do processo, os pais podem permanecer deitados sob a cama, junto do
filho, saindo de lá quando a criança adormecer. Após alguns dias agindo assim,
quando os pais perceberem que podem se afastar mais, ao invés de ficarem
deitados, podem ficar sentados, interagindo com a criança. Diante de sucessivos
episódios, podem ficar no quarto do filho em pé e também se direcionando
gradativamente cada vez mais para o rumo da porta, até as suas completas
saídas.
Como já
dito exaustivamente aqui no blog [2], é importante que, uma vez estabelecidos os limites, os pais
possam sustentá-los mesmo que o filho venha a resistir. Obviamente, existem
exceções que precisam ser avaliadas com cautela, como uma doença, medo
ocasional por algum evento específico (como falecimento de alguém) ou mal-estar
súbito, casos em que seria necessário avaliar a pertinência de a regra ser
mantida. Caso seja relevante suspender a regra momentaneamente, deve-se
explicar à criança por qual motivo ela foi burlada, limitando a concessão a
este episódio específico.
Diante
de limites, é natural haver resistência da criança em aceitá-los. Ela,
provavelmente, desafiará através da birra ou dos insistentes pedidos em dormir
com os pais pelo medo de ficar sozinho. Deve-se verificar a função destes
comportamentos: algumas vezes eles podem ser emitidos apenas com a finalidade
de permanecer junto aos pais. Caso haja verbalizações da criança quanto a ficar
sozinho e ver/ouvir coisas, uma boa alternativa é verificar, junto com o
infante, a veracidade desses fatos: ir ao quarto junto com ela e buscar
evidências (debaixo da cama, no armário, dentro das gavetas, entre outros) de
que tal situação não procede, assegurando que a criança está em segurança e que
os pais podem ficar com ela (no quarto dela) até que adormeça novamente.
É
possível que quando houver mudança de casa ou quarto (como em viagens, por
exemplo) a criança volte a apresentar tais padrões. É importante dizer que,
mesmo nesses casos específicos, a conduta deve ser a mesma: permanecer com a
criança no novo ambiente, favorecendo a sua adaptação e esvanecendo aos poucos
a presença dos pais. Recomenda-se também que os pais reconheçam cada conquista
da criança, demonstrando satisfação quanto à sua superação do medo (“estou feliz por você!”),
atribuindo-lhe um prêmio simbólico pela superação (“troféu coragem” ou
similar).
No
cotidiano verifica-se o quanto o ser humano tende a evitar situações que exigem
um esforço (e um desgaste) na resolução de problemas, sobretudo quando as
consequências são aversivas. Apesar de parecer a princípio que o comodismo é
mais válido nesse caso, na verdade é mais fácil e saudável o adulto quebrar a
sua zona de conforto agora do que ensinar a criança dormir no seu próprio
quarto, quando esta já estiver maior e com o padrão mais cristalizado.
[1] Esvanecimento, ou Fading, trata-se de um procedimento
psicológico em que um comportamento que ocorre em uma situação também passa a
ser emitido em outra situação a partir da mudança gradual do estímulo, da
primeira para a segunda ocasião (LUNDIN, 1977). Assim, no exemplo em questão, o
objetivo do esvanecimento é fazer com que as crianças passem a dormir a partir
da presença e proximidade cada vez menor dos pais.
[2]
Confira aqui o texto “Ele é o rei da casa. Adivinha quem são os súditos?”,
publicado em julho de 2012 no blog.
Fonte: InPA - Instituto de Psicologia Aplicada
Postado por: Ana Cláudia Foelkel Simões
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