O termo timidez tecnicamente é chamado de retraimento social, mas também várias outras denominações, como inibição e introversão. Neste texto, estes termos serão utilizados sem distinção de significados.
A timidez ilustra um padrão de
comportamento caracterizado por déficit de relações interpessoais e uma
tendência estável e acentuada de fuga ou evitação do contato social com outras
pessoas. Este padrão abrange pessoas de todas as idades, muitas vezes iniciando
na própria infância. Porém, surpreendentemente recebe atenção insuficiente das
famílias, da escola e dos profissionais que trabalham com o público infantil. E
nesse caso, nem sempre o tempo se encarrega da reversão do quadro: muitos
adultos tímidos já foram crianças socialmente inibidas. Mas afinal, o que é a
timidez, quais as medidas preventivas e em que consiste o tratamento? São as
questões que serão respondidas neste texto.
Tecnicamente, a
timidez está categorizada no âmbito dos comportamentos internos, ou seja,
comportamentos inadequados que se expressam “para dentro”, tendo como
destinatário o próprio sujeito que o emite. A outra categoria, que abrange
comportamentos que se expressam para fora (como agressividade, por exemplo),
tem como destinatários os demais e, portanto, se torna mais visível aos olhos
por perturbar e alterar o meio onde são produzidos.
No contexto escolar,
ambiente onde alunos com menos agitação motora e que produzem menos barulho são
desejáveis para o bom andamento das aulas, as crianças tímidas são muitas vezes
elogiadas pelo seu comportamento retraído. Na família, também é possível
verificar pais ou avós se vangloriando por terem filhos bem comportados, que
não mexem nos pertences alheios ou que não fazem travessuras.
Como se pode
perceber, a timidez enquanto comportamento interno não chama muito a atenção
dos demais, visto que o prejudicado é o próprio indivíduo. No entanto, quando o
embaraço diante de uma exposição se faz visível aos olhos (como quando uma
criança é levada ao quadro para resolver uma tarefa ou quando precisa fazer uma
leitura em voz alta perante um público) é que se tem uma dimensão da
profundidade do problema. Porém, o alvo do prejuízo comportamental (se o
próprio sujeito ou outras pessoas) não determina a gravidade da perturbação. Ou
seja, os comportamentos internos não são menos importantes ou menos danosos que
os demais: estes também precisam de intervenção profissional para que haja
melhor desempenho social e qualidade de vida.
Na Psicologia, o grau
de dificuldade relacional pode ser classificado de acordo com a motivação para
a aproximação e a evitação. Quanto a isso, existem as classificações: baixa
sociabilidade, baixa aceitação social, a timidez propriamente dita e o estilo
de relação passivo ou inibido.
Refere-se à baixa
sociabilidade quando
se trata de crianças que tem uma baixa motivação de aproximação social; porém,
não há necessariamente um alto grau de evitação. São aquelas crianças que
preferem estar sozinhas ao invés de acompanhadas. Não há a presença de
ansiedade social e, quando exposta a grupos, a pessoa costuma apresentar bom
desempenho nas conversações. Nos primeiros anos da infância, uma baixa
sociabilidade não costuma ser desadaptativa. No entanto, em fases posteriores,
esta baixa sociabilidade é apontada como um risco.
Quando há uma baixa
frequência de interação social motivada por uma baixa aceitação dos demais,
sendo excluídas e/ou esquecidas pelos colegas, tem-se o retraimento
por baixa aceitação social. Algo que chama a atenção é que crianças
rejeitadas são mais vulneráveis a problemas exteriorizados (como agressão,
impulsividades, entre outros), acarretando um risco significativo ao
desenvolvimento infantil e à sociedade.
Por outro lado, a
timidez propriamente dita envolve
aquelas crianças que estão motivadas à aproximação, mas também à evitação. Ou
seja, elas gostariam de interagir com os outros, mas acabam evitando o contato
por determinadas razões, como o excesso de cautela e receio diante de
avaliações e desaprovações.
Existe também a
categoria de timidez referente ao estilo passivo nas relações interpessoais.
Para tanto, é mister abordar a assertividade, termo que se refere à expressão
direta dos próprios sentimentos e a defesa dos próprios direitos pessoais, sem
ferir ou negar os direitos dos outros. Neste âmbito, observa-se que as pessoas
tímidas costumam agir de forma passiva nas relações interpessoais. Ou seja, há
a violação de seus próprios direitos pela dificuldade ou impossibilidade de
expressar sentimentos, pensamentos e opiniões. Assim, a pessoa se anula perante
os outros, mesmo tendo o direito de se posicionar e de se mostrar aos demais.
Uma pessoa passiva,
portanto, é uma pessoa dita inibida, introvertida, que muitas vezes se frustra
por não conseguir atingir seus objetivos. Sem expressão, os outros se adiantam
em resolver seus problemas ou a decidir por elas. Temendo deteriorar a relação
com os outros (ou de ser mal compreendida), adota comportamentos de submissão,
esperando que as outras pessoas percebam suas próprias necessidades e anseios.
Como se pode observar, este tipo de comportamento tem como objetivo apaziguar
os outros e evitar conflitos. Assim, esquivar ou fugir dessas situações é muito
cômodo, o que favorece a manutenção do quadro.
Acompanhando estas
linhas, o leitor pode constatar que crianças passivas são facilmente presas de
pessoas mal intencionadas, havendo risco de serem avassaladas ou ameaçadas pela
ausência ou deficiência da expressão. Assim, poderão ser manipuladas e controladas
pelos demais e não defenderão seus próprios direitos e anseios. Ou seja,
poderão aceitar brincar de um jogo que na verdade não gostam, comportar-se em
discordância com seus valores e opiniões para evitarem a exclusão social, entre
outros exemplos.
Dessa forma, a
timidez pode ser constatada a partir da observação e da comparação com os
demais colegas. Por exemplo, os tímidos costumam se manter mais quietos em
comparação aos outros colegas, não tiram dúvidas em sala de aula, não começam
nem mantém diálogos com os demais, passeiam sem cumprimentar os transeuntes
(geralmente, evitando-se com postura de olhar para baixo), em atividades
grupais costumam ficar calados e acatarem as opiniões dos demais. Ficam mais
solitárias e, quando não, interagem bem menos do que seria possível.
Muitas vezes, tais
comportamentos são acompanhados de níveis significativos de ansiedade, medo,
preocupações e pensamentos negativos diante de contextos interpessoais que
impliquem avaliação dos demais (como ler em voz alta, resolver um problema no
quadro, fazer uma apresentação na feira de ciências, por exemplo). Com a
ansiedade, pode haver tremores, suor nas extremidades, gaguejos, rubor, náuseas
ou calafrios. Assim, com estas sensações aversivas, muitas vezes a criança pode
evitar o contato social e seus efeitos colaterais, assim como a exposição e as
avaliações sociais. Ao passo disso, a timidez afeta também o autoconceito, a
autoestima e o senso de eficácia.
Manifestando-se na
infância, mas sem reversão do quadro, as dificuldades são passadas para as
fases posteriores do desenvolvimento, muitas vezes mais graves. Já na fase
adulta, as então crianças tímidas provavelmente terão dificuldades com
autoestima, no mercado de trabalho e também no âmbito afetivo-sexual. Sem
posicionarem-se adequadamente, aceitarão o que de fato não querem (como uma
relação afetiva sem perspectivas), submeter-se-ão a situações aversivas por não
conseguirem resolver problemas (como a um chefe coercitivo, por exemplo), assim
como também poderão ter dificuldades em fazer amizades.
Como qualquer outro
comportamento, o critério para que um padrão seja considerado um problema é
haver prejuízo em algum âmbito da vida. Assim, se a timidez passa de um
“charme” ou uma maneira reservada de interagir para algo que prejudica a
socialização e/ou o desempenho acadêmico, recomenda-se procurar ajuda
profissional. Dessa forma, evita-se o agravamento do quadro para Fobia Social e
também para prejudica as outras fases do desenvolvimento.
A título de
ilustração, algumas medidas recomendadas para abordagem de retraimento social
são as práticas desportivas e as atividades artísticas. Por exemplo, o teatro
desenvolve a expressão corporal, emocional e a fluência verbal através da
exposição. No âmbito de tratamento, nas terapias comportamentais existem
técnicas que aprimoram o repertório social, ao mesmo tempo em que são
trabalhados os comportamentos privados (pensamentos) e as emoções, como a
ansiedade. Alguns exemplos são o Treino de Habilidades Sociais e os exercícios
de relaxamento. Assim, com a psicoterapia, a criança tímida pode aprender
repertórios mais adaptativos de interação social e, assim, favorecer o seu
desenvolvimento psicossocial e afetivo.
Postado por: Ana Cláudia Foelkel Simões
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