Desde
que a pessoa tenha dinheiro para pagar, o aborto é permitido no Brasil. Se a
mulher for pobre, porém, precisa provar que foi estuprada ou estar à beira da
morte para ter acesso a ele. Como consequência, milhões de adolescentes e mães
de família que engravidaram sem querer recorrem ao abortamento clandestino,
anualmente.
A técnica desses abortamentos geralmente se baseia no
princípio da infecção: a curiosa introduz uma sonda de plástico ou agulha de
tricô através do orifício existente no colo do útero e fura a bolsa de líquido
na qual se acha imerso o embrião. Pelo orifício, as bactérias da vagina invadem
rapidamente o embrião desprotegido. A infecção faz o útero contrair e eliminar
seu conteúdo.
O procedimento é doloroso e sujeito a complicações
sérias, porque nem sempre o útero consegue livrar-se de todos os tecidos
embrionários. As membranas que revestem a bolsa líquida são especialmente
difíceis de eliminar. Sua persistência na cavidade uterina serve de caldo de
cultura para as bactérias que subiram pela vagina, provoca hemorragia, febre e (toxemia - é a intoxicação resultante do
excesso de toxinas, acumulada no sangue, por deficiência do funcionamento de um
órgão, como o fígado, o rim, etc. – quando a toxemia grave, pode levar à
morte).
A
natureza clandestina do procedimento dificulta a procura por socorro médico,
logo que a febre se instala. Nessa situação, a insegurança da paciente em
relação à atitude da família, o medo das perguntas no hospital, dos comentários
da vizinhança e a própria ignorância a respeito da gravidade do quadro
colaboram para que o tratamento não seja instituído com a urgência que o caso
requer.
A septicemia resultante da presença de restos infectados
na cavidade uterina é causa de morte frequente entre as mulheres brasileiras em
idade fértil. Para ter ideia, embora os números sejam difíceis de estimar, se
contarmos apenas os casos de adolescentes atendidas pelo SUS para tratamento
das complicações de abortamentos no período de 1993 a 1998, o número ultrapassou
50 mil. Entre elas, 3.000 meninas de dez a quatorze anos.
Embora cada um de nós tenha posição pessoal a respeito do
aborto, é possível caracterizar três linhas mestras do pensamento coletivo em
relação ao tema.
Há os que são contra a interrupção da gravidez em
qualquer fase, porque imaginam que a alma se instale no momento em que o
espermatozoide penetrou no óvulo. Segundo eles, a partir desse estágio
microscópico, o produto conceptual deve ser sagrado. Interromper seu
desenvolvimento aos dez dias da concepção constituiria crime tão grave quanto
tirar a vida de alguém aos 30 anos depois do nascimento. Para os que pensam
assim, a mulher grávida é responsável pelo estado em que se encontra e deve
arcar com as consequências de trazer o filho ao mundo, não importa em que
circunstâncias.
No segundo grupo, predomina o raciocínio biológico
segundo o qual o feto, até a 12ª semana de gestação, é portador de um sistema
nervoso tão primitivo que não existe possibilidade de apresentar o mínimo
resquício de atividade mental ou consciência. Para eles, abortamentos
praticados até os três meses de gravidez deveriam ser autorizados, pela mesma
razão que as leis permitem a retirada do coração de um doador acidentado cujo
cérebro se tornou incapaz de recuperar a consciência.
Finalmente, o terceiro grupo atribui à fragilidade da
condição humana e à habilidade da natureza em esconder das mulheres o momento
da ovulação, a necessidade de adotar uma atitude pragmática: se os abortamentos
acontecerão de qualquer maneira, proibidos ou não, melhor que sejam realizados
por médicos, bem no início da gravidez.
Conciliar posições díspares como essas é tarefa
impossível. A simples menção do assunto provoca reações tão emocionais quanto
imobilizantes. Então, alheios à tragédia das mulheres que morrem no campo e nas
periferias das cidades brasileiras, optamos por deixar tudo como está. E não se
fala mais no assunto.
A questão do aborto está mal posta. Não é verdade que
alguns sejam a favor e outros contrários a ele. Todos são contra esse tipo de
solução, principalmente os milhões de mulheres que se submetem a ela anualmente
por não enxergarem alternativa. É lógico que o ideal seria instruí-las para
jamais engravidarem sem desejá-lo, mas a natureza humana é mais complexa: até
médicas ginecologistas ficam grávidas sem querer.
Não há princípios morais ou filosóficos que justifiquem o
sofrimento e morte de tantas meninas e mães de famílias de baixa renda no
Brasil. É fácil proibir o abortamento, enquanto esperamos o consenso de todos
os brasileiros a respeito do instante em que a alma se instala num agrupamento
de células embrionárias, quando quem está morrendo são as filhas dos outros. Os
legisladores precisam abandonar a imobilidade e encarar o aborto como um
problema grave de saúde pública, que exige solução urgente.
Link Sugerido: http://www.gtpos.org.br/Images/boletim/10.pdf
Postado
por: Ana Cláudia Foelkel
CRP:
06/86466
Psicóloga
Clínica e Organizacional
Consultoria
R&S e T&D
Jundiaí e Região
Jundiaí e Região
(11)
97273-3448
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